14.7.10

"Criminalizar internautas é um erro", diz "pai" do Creative Commons

Reportagem do jornal Folha de São Paulo, matéria de Marco Aurélio Canônino. Clique aqui! para ver no site da Folha.

Bela entrevista do prof. Lessig. Creio que este é o momento de revermos e discutirmos uma reforma dos direitos autorais não entre produtoras/estúdios e artistas, mas sim com a sociedade. A distribuição de conhecimento é fundamental para a evolução intelecto-artístico do ser humano, não vejo porquê não fazê-lo de forma irrestrita. Aliás, alguém quer ler meus poemas - publicando-os em Creative Commons ?

Ps: notícia antiga, não que isso mude algo, o anacronismo é inerente.

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Na batalha pelo futuro dos direitos autorais, monopolizada pelos extremistas --de um lado, as indústrias da música e do cinema, que a tudo proíbe e a todos processa; de outro, os piratas, que tratam tudo como produto grátis-- o professor Lawrence Lessig fica no meio.

"Não estou com os abolicionistas do direito autoral, mas também não concordo com a criminalização de toda uma geração de internautas", diz Lessig, ex-professor de direito na Universidade de Chicago (onde ficou amigo de Barack Obama, então professor-adjunto), hoje ensinando em Stanford.

Lessig é a figura mais respeitada e conhecida na questão de direitos autorais, graças à sua criação, o Creative Commons (CC), que é um meio-termo na questão do copyright: ele permite aos criadores de uma obra intelectual qualquer compartilhar sua criação com mais liberdade --por exemplo, licenciando a obra para uso gratuito, desde que sem fins lucrativos.

Lessig esteve em São Paulo anteontem para uma palestra intitulada "A Cultura do Remix" --tema de seu próximo livro, que sai no fim deste mês-, no evento Digital Age 2.0, onde conversou com a Folha.


FOLHA - O senhor disse em sua palestra que a atual geração não fala mais com palavras. Por quê?

LAWRENCE LESSIG - Nos séculos 19 e 20, ser alfabetizado significava aprender a escrever, unir palavras para expressar idéias. O que vemos neste século é que as palavras são só uma forma de alfabetização e que há outras formas mais atraentes para os nossos filhos, como as imagens.

FOLHA - Os críticos dizem que isso leva a um "emburrecimento".
LESSIG - Não acho que seja verdade. A explosão do acesso [à informação] permite às pessoas terem mais conhecimento. Em 1970, se quisesse saber o histórico dos vice-presidentes dos EUA, teria que ir a uma biblioteca, e apenas uma em cada 10 mil pessoas fazia isso. Hoje, quando alguém quer saber algo, o acesso é instantâneo, mais e mais pessoas têm aprendido.

De resto, mesmo se fosse verdade, e daí? Não vivemos num mundo totalitário onde podemos parar essa forma de cultura e forçar a volta apenas à leitura de livros. Precisamos aprender a viver com isso.

FOLHA - A liberdade da internet costuma ser vista como algo inerente ao sistema. O sr. concorda?
LESSIG - A liberdade da rede é produto de sua arquitetura, de seu código, e esse código pode ser mudado para que as liberdades sejam retiradas. E é do interesse das empresas e dos governos mudar esse design para restringir a liberdade. Por isso, organizações como a FSF (Free Software Foundation), de que já participei, são essenciais para pensar estratégias para evitar essas mudanças.

FOLHA - Como o sr. vê o futuro do Creative Commons?
LESSIG - Meu sonho é que o CC esteja morto em seis anos, que não seja mais necessário porque a legislação de direitos autorais se tornou racional. Mas, enquanto for irracional, mais artistas e criadores devem começar a usar as licenças do CC para ter seus trabalhos livres.

Não significa que todos vão usar, não espero que a Madonna passe a usar o CC tão cedo, mas antes de convencê-la vamos convencer gente suficiente de que o mundo não está dividido entre dois modelos extremistas, Hollywood numa ponta e os piratas na outra. A maioria dos criadores está no meio, espera alguma proteção.

FOLHA - Como o sr. vê iniciativas paralelas ao CC, como as do Radiohead e de Paulo Coelho, que colocaram suas obras de graça na rede?
LESSIG - É importante que tenhamos muitas experiências, mas acho ruim quando esses criadores fazem algo que parece que apóia a liberdade, mas que, quando vemos os detalhes, não funciona assim. O Radiohead é um bom exemplo: lançou concurso para que os fãs criassem remixes das músicas.
Mas, quando você lê a licença, descobre que a [gravadora] Warner fica com todos os direitos sobre os remixes criados.

FOLHA - O sr. tem um bom número de antagonistas. Há algo das críticas com que concorde?
LESSIG - Já aprendi muito com críticos meus, como Jack Valenti, chefe da Motion Picture Association [a associação dos estúdios de cinema], uma das pessoas a quem dediquei meu último livro, "Remix". Nós tivemos ao menos cinco conversas, e havia um tema que lhe era caro: as conseqüências que haveria para a geração de garotos que está crescendo levando a vida fora da lei [no que tange aos direitos autorais]. Achava isso bobagem, mas percebi que estava certo, e meu livro começa dizendo isso, que o grande problema é a criminalização dessa geração. É claro que discordamos quanto à solução: ele defende uma guerra mais eficiente contra nossas crianças, e eu espero que encontremos um sistema em que elas não sejam consideradas piratas.

FOLHA - Que mudanças podemos esperar nessa área, com o próximo presidente dos EUA?
LESSIG - Os EUA têm tantos problemas maiores que não acho que o próximo presidente vá ter tempo para tratar de direitos autorais. Dito isso, e sendo um apoiador de Obama, acho que, se ele vencer, vai levar para o governo uma geração de pessoas sensíveis ao tema.

FOLHA - O sr. seria uma delas?
LESSIG - Não acho que me ofereceriam um cargo e, como acho que eu não ajudaria, também não aceitaria.

FOLHA - O foco nos direitos autorais não deixa para trás um tema mais importante, o da democratização do acesso à rede?
LESSIG - Concordo que essa é uma crítica justa. Mas o que levaria a uma democratização mais rápida da web? No Brasil, há um movimento significativo nessa direção, o projeto Pontos de Cultura, que foi lançado quando [Gilberto] Gil era ministro [da Cultura]. Mas o que as pessoas vão fazer quando se conectarem? Vão querer compartilhar, expandir essa cultura do remix, que está no cerne da cultura tradicional brasileira, para a era digital. O melhor que podemos fazer, então, é criar um ambiente favorável a esse tipo de cultura na internet.



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