21.3.10

Quase Cientistas

Texto de Sílvia Pacheco, do Correio Brasiliense (19/03); mas visto em primeira mão por mim no Jornal da Ciência.
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Quase Cientistas:

A astronomia é uma das áreas do conhecimento mais beneficiadas pelo trabalho de amadores. Observadores anônimos descobrem novos corpos, como meteoros e supernovas, e fornecem dados fundamentais para as pesquisas sobre o espaço.

Noite escura e céu aberto. É o que basta para Marcelo Domingues montar seu observatório particular - um telescópio com uma câmera acoplados a um computador - no quintal de sua casa, no Grande Colorado, em Brasília.

Sentado numa cadeira de praia, o servidor público de 38 anos passa cerca de cinco horas observando a imensidão do espaço sideral. É dali que ele registra imagens dos objetos astronômicos que mais o atraem, os cometas. "É como um vício. O meu começou com a passagem do cometa Halley, em 1986. Porém, só aos 31 anos consegui montar todo o meu equipamento e observar sistematicamente os cometas. Não vou parar nunca", conta.

Domingues é um dos milhares de astrônomos amadores existentes no Brasil. Divididos por gostos, mas unidos pela paixão pelos mistérios do Universo, esses homens e mulheres são na sua maioria anônimos que levam a sério o hobby de estudar o espaço. Alguns se dedicam apenas a fotografar ou a acompanhar cometas e meteoros, como é o caso de Marcelo. Outros preferem sair à caça de supernovas e galáxias próximas. O fato é que todos os tipos de observação acabam contribuindo de forma efetiva para a ciência.

Enquanto os profissionais precisam escrever um projeto e conseguir apoio financeiro para pagar o aluguel de um observatório profissional, no qual permanecem por dois ou três dias, os amadores têm a possibilidade de observar o espaço a qualquer momento, durante o ano inteiro, se quiserem.

"Dessa forma, eles acabam reunindo uma quantidade muito maior de dados sobre alguns objetos astronômicos ou até revelando supernovas, ou mesmo a órbita de um asteroide", diz Augusto Daminelli, astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).

Um exemplo dessa contribuição foi a descoberta de uma supernova feita pelo Grupo Brasileiro de Busca de Supernovas (Brass, na sigla em inglês), formado apenas por amadores. A nuvem brilhante era exatamente o objeto de estudo de Daminelli. "Esse grupo amador me trouxe dados que, talvez, eu jamais conseguiria obter. São estrelas com mais de 300 anos que ajudam a contar a história do Universo. Algo importantíssimo", revela o especialista da USP. "Isso demonstra a importância do diálogo entre amadores e profissionais."

Segundo Daminelli, diversos asteroides, cometas, estrelas e supernovas têm sido descobertos por amadores, enquanto os profissionais realizam os estudos mais aprofundados sobre a natureza desses objetos. O que, para Tasso Napoleão, membro da Brass, fortalece o diálogo e ajuda à ciência.

"Astrônomos amadores são parceiros dos profissionais. Além disso, a ciência não se constrói com uma pessoa. O que fazemos são pequenos avanços com a colaboração de todos. Nossa remuneração é ver nossas descobertas publicadas nos artigos dos astrônomos profissionais", conta, entusiasmado, Napoleão, também presidente da Rede de Astronomia Observacional do Brasil (REA-Brasil), outra organização de observadores amadores.

Tecnologia

Reunidos em grupos ou mesmo solitários, esses dedicados estudiosos compram, montam e até criam seus próprios equipamentos de observação. "Com o avanço da tecnologia e, consequentemente, seu barateamento, conseguimos montar observatórios com câmeras de alta sensibilidade, telescópios de alto alcance e computadores com softwares para processar os dados", explica Cristovão Jacques, que faz parte do Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais (Ceamig).

Jacques, 47 anos, é engenheiro civil e físico. Foi ele quem desenvolveu o telescópio do observatório amador mineiro, que fica na Serra da Piedade, a 60km de Belo Horizonte. Sozinho, ele descobriu 16 asteroides - 13 deles só em 1999, quando surgiu o Ceamig. "Observo o espaço desde os 14 anos, quando fiquei fascinado pelo brilho da Estrela d'alva (o planeta Vênus). Escolhi os asteroides porque eles são mais acessíveis à observação amadora e têm necessidade de serem investigados", justifica.

Asteroides, meteoros e cometas são os únicos objetos astronômicos que o descobridor pode nomear. "À minha primeira descoberta, dei o nome de Wykrota, sobrenome do casal que fundou nosso observatório. Mas também tem o asteroide Marcos Pontes, em homenagem ao primeiro astronauta brasileiro a ir ao espaço", conta Jacques.

Tantas descobertas deram ao engenheiro civil credibilidade. Hoje, ele participa do grupo internacional amador ligado à Agência Espacial Americana (Nasa) que patrulha o espaço em busca de imensos asteroides (com mais de 10km de diâmetro) que possam ameaçar a Terra. Além disso, Jacques faz parte da REA-Brasil e da Brass.

Contemplação

Entre os astrônomos amadores, há aqueles que preferem apenas contemplar solitários o Universo. É o caso de Paulo Cacella. O engenheiro elétrico e servidor do Banco Central foi o primeiro brasileiro a descobrir uma supernova, de um jeito quase improvável: sem querer. Cacella vasculhava o espaço quando lembrou-se de uma das primeiras galáxias que fotografou quando comprou o CCD (aparelho que captura imagens do computador). Logo no primeiro registro, notou uma pequena estrela próxima ao núcleo da galáxia. ''É uma supernova'', disse a si mesmo.

A posição era suspeita, mas era preciso conferir todas as demais hipóteses. Poderia ser um asteroide, uma estrela da Via Láctea superposta na imagem ou mesmo um defeito no equipamento. O que Cacella não sabia era que aquela era uma supernova desconhecida e que ele era o primeiro astrônomo a vê-la. ''Astronomia, sonhos, desejos, imagens, estética, prazer e música são drogas mais poderosas que qualquer química inventada pelo homem'', diz Cacella, tentando descrever o que sentiu no instante de sua descoberta.

Já o servidor público Wilton Ferreira da Costa, 52 anos, observa o céu há 29 e ainda não teve a sorte de descobrir algum objeto. Sua paixão são os asteroides pequenos.

"Conhecemos muito pouco os de pequeno tamanho. A estimativa é que possam existir mais de 1 milhão, com cerca de 1km de diâmetro. Há muito a ser descoberto", afirma. Costa acrescenta que a astronomia torna as pessoas mais humildes quando se deparam com os mistérios e a grandeza do espaço. "Observar o céu nos leva a ter uma melhor noção da imensidão do Universo e da beleza dos seus objetos, além da mecânica celeste que os envolve. A cada observação, fico igualmente impressionado, como da primeira vez. Contudo, o mais impressionante é saber o quanto somos pequenos diante de toda essa imensidão."

(Silvia Pacheco)