26.2.10

Entrevista com Maria Gladys

Alegre, transgressora, boêmia e divertida, Maria Gladys viveu intensamente o desbunde dos anos 60 e 70, estrelando grandes clássicos do cinema brasileiro. A voz que está do outro lado da linha do telefone reflete as nuances de alguém que muito tem a dizer, mas que parece ter perdido a paciência de discutir os caminhos que tomaram o seu ofício. Em cada frase dita revela que o caminho escolhido é o da novidade, novos projetos e a vontade de estar sempre se renovando.

Dirigida por diretores como Ruy Guerra, Domingos de Oliveira e Rogério Sganzerla ao lado de Helena Ignez, Maria Gladys é uma das musas eternas do Cinema Marginal. A atriz se exilou em Londres no inicio dos anos 70 onde viveu todas as loucuras de uma época de quebra de paradigmas.
De personalidade forte e grande talento, é uma das grandes atrizes da geração anos 60, redescoberta por jovens diretores e cinéfilos que cultuam sua interpretação em filmes como “Sem Essa Aranha” e “Os Fuzis”.


Como surgiram os primeiros trabalhos no cinema? Fale-nos um poucos de seus filmes.
Nos anos 60 eu fiz “Os Fuzis” com o Ruy Guerra, que é uma obra adorada até hoje, as pessoas adoram, o filme tem quarenta e tantos anos e não envelheceu, os jovens gostam. Os anos 60 tem essa importância. Eu também trabalhei com o Domingos de Oliveira em “Todas as Mulheres do Mundo”, adoro o Domingos, esse filme é um expoente, fiz com ele também “Edu Coração de Ouro”. Aí no início dos anos 70 eu fiz muitos filmes com o Rogério Sganzerla, estava difícil ficar no Brasil, todo mundo estava indo embora e eu fui embora com eles. Aqui tínhamos muito pouco trabalho e foi difícil retornar tudo, acho que estou até hoje retornando. Aí então eu virei artista de televisão.

A nova geração cultua os filmes marginais brasileiros e você é uma das grandes estrelas desses filmes. Como tem sido seu contato com essa nova geração?
Isso é maravilhoso, os filmes que eu fiz com o Júlio Bressane por exemplo, as pessoas adoram. Aí através desses filmes eu acabei ganhando um fã como o Bruno Safadi, com quem eu filmei juntamente com a filha de Helena Ignez, a Djin Sganzerla, “Meu nome é Dindi”. Eu fiz um espetáculo de teatro sozinha onde chamei o Bruno pra me dirigir, nós dois montamos esse espetáculo que já tem 4 anos, parece que foi ontem... a gente fez o SESC, viajamos, esses filmes trazem essas pessoas. Eu acabei de fazer um filme em abril do ano passado em Campina Grande com um menino chamado André da Costa Pinto, um roteiro muito interessante, interessantíssimo, se chama "Tudo que Deus criou", ele é um dos caras que entrou nesse projeto, revelando os Brasis, ele tem 23 anos e é um diretor muito interessante. E filmei também com o Felipe Bragança, acabei de filmar agora no final do ano, me esqueci até agora o nome do filme.(risos)

Alguns cineastas brasileiros que não produziam há algum tempo lançaram filmes atualmente, como Andrea Tonacci e José Mojica Marins. O que você acha da volta desses diretores que há tanto tempo não filmavam?
Eu adoro os filmes de Tonacci, acho ótimo isso acontecer, acho ele um diretor fabuloso, o Mojica é uma figura diferente, algumas coisas eu gosto outras nem tanto, mas ele é uma pessoa muito especial e acho fabuloso eles voltarem a filmar. O Tonacci foi premiado com esse último filme dele que eu não vi, passou aqui no festival mas eu não vi, é difícil filmar. Eu agora vou filmar com o Hugo Carvana, começo a filmar em março, um filme que se chama “Se nada mais der certo”, acho que é isso.

Qual será o seu papel?
Eu não faço a mínima idéia, só acertei cachê, mas ainda não vi (risos). Mas enfim, é uma participação, é uma coisa que o Carvana faz comigo nos filmes dele, ele sempre puxa alguma coisa pra eu fazer, mas é uma participação.

Fiquei sabendo que o Cláudio Assis tinha convidado você pra participar de um filme dele.
Eu é que procuro ele mais, na verdade (risos). Eu é que fico falando pra ele que ele tem que me chamar de qualquer maneira. Mas enfim, eu sei que ele está em produção, está entrando em produção, está batalhando, está em Pernambuco, não tenho visto ele, mas de vez em quando eu mando uns emails pra ele.

Como foi viver em Londres na década de 70?
Londres pra mim foi tudo, foi uma maravilha Londres, foi um pedaço da minha vida inesquecível, aliás um pedaço que eu deixei lá, eu tenho uma filha que vive lá, minha neta está começando na carreira de modelo em Londres, modelo fotográfica, ela esta em uma puta agencia, foi descoberta em um festival que ela estava. Uma fotografa viu, chamou ela e a levou pra fazer na mesma agencia da Kate Moss. Eu vi muita música, tudo que tinha lá eu vi, Led Zeppelin, The Who, Frank Zappa, eu vi tudo que havia lá.

Me fale um pouco dos seus novos projetos?

Tenho um projeto que é um programa que eu quero fazer, um programa que se chama “Boêmia”, onde eu vou falar de boêmia já que eu sou uma boêmia. Eu quero fazer um programa por mês, todos os programas com vários autores que foram boêmios, textos deles, pedaços de filmes com pessoas que bebem, percorrendo alguns bares aqui do Rio... no subúrbio, mas na verdade eu acho que boêmios verdadeiros não existem mais, acabou. Eu na verdade tenho sido mais uma boêmia diurna, aqui em Copacabana os bares não fecham tão tarde, mas eu sou uma pessoa que gosta de ficar em um balcão conversando. Agora atualmente com esse calor, eu tenho freqüentado um bar que fica no Arpoador, porque todo mundo vai à praia, daqui a pouco mesmo vou andar até lá pra dar uma relaxada. Gosto de freqüentar os bares do Leblon, não gostaria de morar no Leblon, mas gosto de ir aos bares do Leblon.

O que você tem assistido no cinema que você tem gostado atualmente?
Eu adorei ver o filme da Paula Gaetan “O Diário de Sintra”. Adorei ver o filme do Lírio Ferreira “O homem que engarrafava nuvens” que fala de Humberto Teixeira, eu adoooro esse filme.

Você protagoniza uma cena marcante cantando desvairadamente em “Sem Essa Aranha”. Como aconteceu o processo de filmagem daquele plano-seqüência?
Essa cena é histórica, aquela cena foi o seguinte: o Rogério mandou que eu cantasse uma música, mas não podia ser uma música conhecida, tinha que ser uma música que ninguém nunca tivesse ouvido. Aí eu tinha uma prima cantora chamada Norma Sueli, eu era garota e escutava a minha prima cantando essa musica, mas só me lembrava desse pedaço, eu gostava de ver ela cantando aquilo, aí eu me lembrei e cantei ela no filme. Esse filme tem mais de 40 anos, essa música era muito presente na época, minha prima era viva, enfim. Então eu me lembrei e cantei. Há pouco tempo eu estou escutando alguma coisa e escuto uma cantora cantando isso, aí eu falei: Meu Deus! Eu não podia imaginar o que era, quem cantava era Rosemary Clonney, uma cantora de jazz daquela época. O Rogério (Sganzerla) como diretor era fabuloso, um gênio, só posso dizer que Rogério é um gênio, conheci um gênio, conheci vários gênios, conheci Rogério (Sganzerla), conheci Glauber Rocha, Paulo Leminski, sempre fui rodeada de gente.


Entrevista por Daiverson Machado ao eMiolo.com / Foto da cena do genial 'Sem Essa Aranha'.